sexta-feira, 2 de abril de 2010

Relações Étnico-Raciais: Sociedade, Educação e Atualidade.


As teorias eurocêntricas do Racialismo – “de diferenças biológicas entre as raças: psicológica, de caráter distinto e intelectual” –, e da Eugenia – de “aprimoramento biológico da espécie humana” –, que substituíram a fé cristã e a cultura da igualdade como princípio formal entre os homens pela naturalização do preconceito de segregação de “raças” superiores e inferiores, através do cientificismo evolucionista e de expansão do Colonialismo Liberal da Modernidade, são sintomas dos processos que culminaram na intolerância da discriminação étnico-racial, em crimes hediondos contra a pessoa humana, na diferenciação sócio-cultural e moral entre os povos europeus e os “outros”, os “de fora”, “estrangeiros, “outsiders”, “párias”, excluídos ou “esquecidos” – citando o sentimento de esquecimento do povo indígena mexicano nas palavras do Subcomandante Marcos do EZLN – Exército Zapatista de Libertação Nacional (México) –, e, principalmente, a partir da massiva referência ideológica de dominação econômica e territorial que envolveu as Pátrias de populações indígenas, negras, asiáticas, “latino-americanas” e afins, que deflagram o cenário do que conhecemos hoje como Racismo: na Escola, na Sociedade e no nosso dia-a-dia.
As relações étnico-raciais são fruto de um longo caminho de desigualdade e diferenciação, baseadas no Liberalismo, doutrina que promoveu a regulação do Estado através do controle sobre a economia e das riquezas, apoiado amplamente na idéia do Individualismo e da livre concorrência; na Ciência Positivista, que através da criação de Leis Gerais converteu a fé e os processos de catequização em força social de coerção de imposição cultural européia; do Evolucionismo (Darwin), com seus “processos de evolução das espécies naturalizadas” – tribo/confederação/Estado, de forma linear e indissolúvel em consonância com a Ideologia do Estado Nacional, de forma institucional mais “desenvolvida” e de “herança” primordial, sinônimos de “civilização” e também através de experimentos tecnológicos de “superação” das formas econômicas, sociais e culturais indígenas e negras com estratégias de extermínio, cristianização, mistura racial e integração ao mercado como trabalhadores nacionais (espoliados na sua condição humana), que definiram a construção da segregação racial nos EUA, um “legado” etnocêntrico de Indianismos – visão européia do bom indígena, o bom selvagem, o “natural” com sua “bondade ingênua” –, que chega ao Brasil nos braços do colonizador luso com uma “roupagem” de homogeneização da etnia Tupi como a “única” nação cultural que reflete a imagem estilizada de nossa “etnia nacional”, confrontando desde então diversos sujeitos sociais que, dentro de sua visível e incontestável heterogeneidade, reproduzem inúmeros tipos de estigmas contra o indígena, o negro e o despossuído, com intolerâncias diversas e contundentes.
O “elevador de serviço”, o “você sabe com quem está falando”, as diferenças salariais entre brancos e negros – especialmente entre mulheres negras no mercado de trabalho, as relações de poder e de domínio social e simbólico entre ricos e pobres, a negligência do poder público em discutir abertamente os problemas de apartheid social existente em nossa sociedade, a violência naturalizada que separa “pretos” e “pobres” em baixadas, morros, lixões e favelas, o desemprego e o “trabalho análogo à escravidão” em fazendas que refletem a abissal distribuição de terras entre o Latifúndio na Amazônia e o Sem-Terra, os preconceitos de “cor” e as discriminações de toda sorte demarcam todas as relações existentes de um mundo social desigual, alarmado por uma pirâmide econômica onde poucos olham milhares e milhares do “topo” e sem previsão para que mudanças a médio e curto prazo sejam apontadas e que, finalmente, a “democracia” e a “igualdade” formal sejam estabelecidas socialmente.
Na Escola, a situação se reproduz pelo simples fato de não colocarmos em pauta a condição social de segregação entre bairros “periféricos” e “centrais”, de decodificar hipóteses de “qualidade” entre as escolas públicas e privadas de acordo com o viés capitalista, de discutir o respeito e a multiplicação da solidariedade na relação professor e aluno, da banalização da violência física, moral e simbólica, de um intelectualismo que fala e nada diz, de uma práxis de gabinete, de projetos que ao invés de incluir, excluem, separam, diferenciam; de atitudes e projetos políticos pedagógicos que são desconectados com o “mundo real” que está no próprio espaço educacional, mas também, fora dele e de infinitas “variáveis” de “atores da educação” que estão ali de corpo presente, mas não de “alma”, de “espírito livre”, como diria Nietzsche.
A atualidade reflete a história do indígena João Pankararu que, apesar de longe de sua terra, de seus costumes, de um processo de segregação interna que sofreu em busca de melhores condições para a sua aldeia, seu tekoha (“lugar onde se vive”, na língua Guarani), ainda assim manteve, ao longo da vida, laços de solidariedade étnica, com tradições religiosas bem definidas e que refletiam a peculiaridade cultural “dos seus” em relação aos “nacionais”, mesmo na “cidade grande e civilizada” e que, após o retorno a suas raízes, conseguiu a tão esperada “visibilidade” que todas as populações indígenas do Brasil de hoje tanto buscam, lutam e exigem respeito, reconhecimento e liberdade no país da diversidade.

Texto: Ariana da Silva - Aperfeiçoada em Gênero e Diversidade - UFPA/2010.

Nenhum comentário: